Festa de Miguel, Gabriel e Rafael, Arcanjos (29/09/2021) e Memória Santos Anjos da Guarda (02/10/2021)
Os anjos aparecem não apenas em textos de religiões nascidas a partir de Abraão. Muçulmanos, judeus e cristãos creem na existência de espíritos imortais que atuam sob ordens de Deus e zelam pela obra da criação. Eles também aparecem em diversas expressões culturais, como música, literatura, artes plásticas, cinema etc. Nestas, são retratados como crianças rechonchudas, como jovens fortes, bonitos, sem claras características sexuais, mas, de modo geral, com aparência humana, dotados de asas e rodeados de luz.
A Bíblia faz inúmeras referências aos seres espirituais. O Alcorão, livro sagrado do islã, menciona os anjos mensageiros de Deus. Fiéis de outras religiões também reconhecem a existência de espíritos imortais não humanos e lhes atribuem diferentes qualidades.
A doutrina da Igreja Católica afirma que a existência dos anjos não é uma questão científica, mas uma verdade de fé: “A existência dos seres espirituais, não-corporais, a que a Sagrada Escritura habitualmente chama anjos, é uma verdade de fé. O testemunho da Escritura é tão claro como a unanimidade da Tradição” (CIgC, 328). A profissão de fé do IV Concílio de Latrão (1215) afirma que Deus, “desde o princípio do tempo, criou do nada ao mesmo tempo uma e outra criatura, a espiritual e a corporal, isto é, os anjos e o mundo terrestre. Depois criou a criatura humana, que participa das duas primeiras, formada, como é, de espírito e corpo” (CIgC, 327).
A palavra anjo indica ofício, função, encargo, mensageiro, enviado, executor de ordens divinas, não se refere à natureza, essência: “É preciso saber que a palavra ‘anjo’ indica ofício, não a natureza. Pois estes santos espíritos da pátria celeste são sempre espíritos, mas nem sempre podem ser chamados anjos, porque somente são anjos quando por eles algo é anunciado. Aqueles que anunciam fatos menores são ditos ‘anjos’; os que levam as máximas notícias, arcanjos” (Das Homilias sobre os Evangelhos, de São Gregório Magno, Papa. In. Liturgia das Horas, Ofício das Leituras, p. 1570). Essas mesmas afirmações encontramos no Catecismo da Igreja Católica: “Anjo é nome de ofício, não de natureza. Desejas saber o nome da natureza? Espírito. Desejas saber o do ofício? Anjo. Pelo que é, é espírito: pelo que faz, é anjo (mensageiro). Com todo o seu ser, os anjos são servos e mensageiros de Deus. Pelo fato de contemplarem ‘continuamente o rosto do meu Pai que está nos céus’ (Mt 18, 10), eles são ‘os poderosos executores das suas ordens, sempre atentos à sua palavra’ (Sl 103, 20)” (Nº 329).
Nossa doutrina católica nos diz que ninguém pode substituir o próprio Deus, os anjos intercedem, mas não salvam: a salvação provém somente do Pai, por Cristo, no Espírito Santo. Os anjos adoram a Deus e servem-lhe como porta-vozes e colaboradores. São como ‘carteiros’ a serviço da palavra de Deus; o mais importante não é o anjo em si, mas a Palavra ou sinal divino que ele comunica: “Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja amaldiçoado” (Gl 1,8).
A Bíblia indica que esses mensageiros têm características e encargos diferentes, conforme a sabedoria divina os criou (Cl 1,16). Foi o Areopagita Pseudo-Dionísio, pai da Igreja do século VI, que propôs três hierarquias de anjos. Na primeira, estão os Serafins, Querubins e Tronos. Eles são seguidos por Dominações, Virtudes e Poderes. Na terceira hierarquia, estão os Principados, Arcanjos e Anjos. Esses três últimos são os que estão mais próximos das necessidades dos seres humanos. A Bíblia, porém, não detalha tudo sobre essa hierarquia nem permite especulações mágicas, pois o centro da mensagem bíblica é Jesus, Palavra encarnada de Deus e Mensageiro do Pai por excelência (Jo 1,14).
Nos textos antigos da Bíblia, a diferença entre um ser celeste e um terrestre não era muito nítida, pelo fato de inúmeras intervenções de Deus no meio do povo acontecerem por meio de seus líderes, o que os tornava mensageiros da divindade. Também, no Apocalipse, os anjos das sete Igrejas são seus bispos, mensageiros da Boa Nova. Mas, o tempo mais forte do culto aos anjos ocorreu no período pós-exílio (Séc. VI a.C.). O povo distanciava-se lentamente de Deus, em parte devido ao sincretismo de culturas pagãs existentes na Palestina, em parte pelo retorno tumultuado para sua terra após tantos anos, e também pela dificuldade em adaptarem-se novamente ao meio. A distância entre Deus e o mundo tornava-se imensa, necessitando, dessa forma, da intervenção dos anjos. O povo tenta achar um intermediário entre eles e Deus. O anjo terá, dessa forma, a incumbência de trazer e levar ‘os recados’ do mundo celestial para o terreno.
Vejamos, a seguir, o significado bíblico e também encontrado na literatura eclesial e popular dos nove Coros dos Anjos, catalogados hierarquicamente:
Serafins
Imagem retratada com seis asas, permanecendo sempre de pé diante do trono de Deus (Is 6,1-2). O nome ‘seraph’ deriva do hebreu e significa “queimar completamente”. Segundo o conceito hebraico, o Serafim não é apenas um ser que “queima”, mas “que se consome” no amor ao Sumo Bem, que é o nosso Deus Altíssimo.
Querubins
São os anjos guardiões de templos e palácios, guardam a arca da aliança (Gn 3,24; Ex 25,20), estão estampados nas cortinas e paredes do templo (Ex 26, 1.31; 1Rs 6,29). Aparecem também na mitologia babilônica e egípcia. São também os seres misteriosos que Ezequiel descreve na visão que teve, no momento de sua vocação (Ez 10,12).
Tronos
São aqueles anjos que apresentam, aos Coros inferiores, o esplendor da Divina Onipotência.
Dominações
São os anjos enviados por Deus a missões mais relevantes, são da alta nobreza celeste. “Algumas fileiras do exército angélico chamam-se Dominações, porque os restantes lhe são submissos, ou seja, lhe são obedientes” (São Gregório).
Potestades
São os anjos que transmitem aquilo que deve ser feito, cuidando de modo especial da “forma” ou “maneira” como devem ser feitas as coisas. Também são os Condutores da ordem sagrada. Pelo fato de transmitirem o poder que recebem de Deus, são espíritos de alta concentração, alcançando um grau elevado de contemplação ao Criador.
Virtudes
São os anjos que auxiliam no sentido de que as coisas sejam realizadas de modo perfeito. Assim, eles também têm a missão de remover os obstáculos que querem interferir no perfeito cumprimento das ordens do Criador. São considerados anjos fortes e viris. Quem sofre de fraquezas físicas ou espirituais deve invocar, por meio de orações, o auxílio e a proteção de um Santo Anjo do Coro das Virtudes.
Principados
São anjos enviados a príncipes, reis, províncias e dioceses. No livro de Daniel, são também apresentados como protetores de povos (Dn 10,13). Levam as instruções e os avisos Divinos ao conhecimento dos povos que lhe são confiados.
Arcanjos
São os anjos das máximas notícias. Da existência destes anjos fala explicitamente a Sagrada Escritura, que lhes dá um nome e lhes determina a função:
– São Miguel Arcanjo
Antigo padroeiro da Sinagoga, é padroeiro da Igreja universal e padroeiro de muitas comunidades paroquiais. É cultuado desde os primeiros séculos do cristianismo. Miguel, nome hebraico que significa “Quem é como Deus?” Chamado de “príncipe dos espíritos celestiais”, ou “chefe da milícia celestial”. É lembrado duas vezes no livro de Daniel como protetor particular do povo eleito (Dn 10, 13; 12,1) A carta de São Judas (v.9) mostra-o em luta contra Satanás pelo corpo de Moisés. O Apocalipse (12,7) recorda o combate de Miguel e seus anjos contra o dragão (maligno). A liturgia dos mortos pede-lhe que acompanhe as almas.
São Miguel é representado em uma fantasia de guerreiro com uma lança ou espada derrotando o maligno.
Espada: para defender-se do inimigo: planos enganosos, mentiras e todo tipo de perversidade.
Balança: seremos julgados pelas nossas opções. Opção pela vida é ser a voz e a vez dos oprimidos, fracos, doentes, pobres, isto é, dos mais fragilizados e desprotegidos da sociedade.
Dragão: debaixo dos pés. A vitória final será do povo fiel a Deus. Quem permanecer aliado ao Projeto de Deus vencerá. A vitória ainda não chegou, a batalha contra o maligno continua.
– São Gabriel Arcanjo
Significa ‘força de Deus’, é o anjo da encarnação e talvez o da agonia do jardim das oliveiras. É o anunciador por excelência das revelações divinas. É ele que explica ao profeta Daniel como se dará a plena restauração, da volta do exílio ao advento do Messias. A ele, também, é confiado o encargo de anunciar o nascimento do Precursor, João, filho de Zacarias e de Isabel. Anunciou a Maria que Ela estava cheia de graças e tinha sido escolhida pelo Criador para ser a Mãe de Jesus.
São Gabriel é o patrono das comunicações e comunicadores, porque trouxe ao mundo a mais bela notícia: que o Filho de Deus se fez homem. Ele é representado com um bastão de lírio perfumado, aquele que ele deu a Santa Maria na Anunciação.
– São Rafael Arcanjo
Significa ‘Deus curou’, é o anjo guia dos viajantes. Falado em um só livro da Sagrada Escritura, é o acompanhante do Jovem Tobias em sua viagem. Foi ele que sugeriu ao seu jovem protegido o remédio para a cura da cegueira do pai.
São Rafael é amplamente invocado para evitar doenças e conseguir um final feliz para a viagem. Um dos patronos dos peregrinos, também encarregado da juventude.
Ele é representado como um caminhante, com uma bengala e os peixes com os quais curou Tobias.
Anjos
Significado já descrito acima, mas são os anjos que recebem as ordens dos Coros superiores e as executam. São os anjos que estão mais perto da humanidade e, por assim dizer, convivendo conosco e prestando um serviço silencioso, mas de valor incomensurável a cada pessoa: “Eis que envio um Anjo diante de ti, para que te guarde pelo caminho e te conduza ao lugar que tenho preparado para ti. Respeita a sua presença e observa a sua voz, e não lhe sejas rebelde, porque não perdoará a vossa transgressão, pois nele está o Meu Nome. Mas se escutares fielmente a sua voz e fizeres o que te disser, então serei inimigo dos teus inimigos e adversário dos teus adversários” (Ex 23,20-22).
Anjo da Guarda
No Judaísmo rabínico, acredita-se, semelhante ao que cremos hoje, que cada pessoa possui seu Anjo da Guarda que a protege tanto no âmbito pessoal como comunitário: “Desde o seu começo até à morte, a vida humana é acompanhada pela sua assistência e intercessão. ‘Cada fiel tem a seu lado um anjo como protetor e pastor para o guiar na vida’. Desde este mundo, a vida cristã participa, pela fé, na sociedade bem-aventurada dos anjos e dos homens, unidos em Deus” (CIgC, 336).
Os anjos são antes de tudo os mediadores das mensagens da verdade divina, iluminam o espírito com a luz interior da palavra. São também guardiões das almas das pessoas, sugerindo-lhes as diretivas divinas; invisíveis testemunhas dos seus pensamentos mais escondidos das suas ações boas ou más, claras ou ocultas, assistem as pessoas para o bem e para a salvação. Portanto, a doutrina bíblica e eclesial nos diz que cada fiel é ladeado por um anjo enviado por Deus para o guardar e acompanhar no caminho da vida, isso quer dizer que os anjos da guarda são um presente carinhoso da Divina Providência. Por meio deles, é Deus mesmo quem nos acompanha. Assim, o serviço dos anjos não substitui a Providência Divina nem está acima da consolação do Espírito Santo, pois “o Espírito vem em socorro de nossa fraqueza e intercede em nosso favor” (Rm 8,26).
A história da salvação atinge cada pessoa em sua situação concreta; a promessa bíblica: “Preceder-te-á o meu anjo” (Ex 23, 20.23) realizou-se para o povo eleito, para a Igreja, e verifica-se para toda a Igreja local, para todo o grupo ou comunidade, para cada pessoa. Em comunhão com toda a Igreja peregrinante, veneramos os anjos e louvamos a Deus que nos concede experimentar sua poderosa intercessão, “até que o Senhor venha em sua glória e com ele todos os anjos (Mt 25,31) e, destruída a morte, lhe sejam submetidas todas as coisas (1Cor 15,26-27)” (LG, 49).
Após constatar tantos depoimentos sobre o poder, a obediência e o serviço dos anjos em relação a Deus, encerro esta reflexão dizendo que estes seres celestiais são importantes em nossa vida, mas jamais devem substituir o próprio Deus. O culto aos anjos é admissível enquanto veneração, louvor, respeito e reconhecimento deles como mediadores da Revelação do Projeto do Pai para a humanidade.
Santos Anjos da Guarda e todo o Coro dos Anjos, rogai por nós!
Pe. Leomar Antonio Montagna
Presbítero da Arquidiocese de Maringá – PR